Sala especial Franz Weissmann, VIII Bienal de São Paulo 1965
Mário Pedrosa

Franz Weissmann apresenta-se à VIII Bienal de São Paulo depois de ausente do certame desde 1957, quando levou o prêmio de melhor escultor nacional. Ei-lo agora, de volta ao país, depois de longa ausência no estrangeiro.

Era um "concretista" ou melhor "construtivista" quando do Brasil se partiu. Dir-se-ia ter-se transformado em um "informal". (Como já vai desbotada essa designação!) Por que? Porque agora vem com placas amassadas, amarrotadas, machucadas em relevo. E pastas e mais pastas de desenhos em que a linha o conduz, literalmente, o conduz sobre a superfície lisa ou áspera do papel, em turbilhão, em arabescos, em circunvoluções ininterruptas, em cruzamentos infindos. É uma viagem pelo espaço, longa viagem da qual restam rastos de luz, que descobrem estruturas insuspeitadas. Entre estas surge um espaço vivo mas não habitado, dinâmico mas não percorrido, um intervalo que não está entre coisas, fenômenos ou acontecimentos, mas entre intervalos de intervalos, indefinidamente: Entre-valos.

Há nesses desenhos um duelo entre a linha e a luz, que se trava até o entrevero corporal quando a luz ressurge apesar de tudo do entrelaçamento infinito das linhas em desespero, em frenesi. Esses desenhos, freqüentemente admiráveis, são um diálogo de Franz Weissmann consigo mesmo.

Ao passar ao espaço real, Weissmann ajusta, mais uma vez, suas contas com a matéria. É esta sua tarefa, sua faina de escultor. Nas suas construções espaciais anteriores era exatamente a mesma a sua problemática. Apenas então ele queria construir no espaço independentemente da matéria. Negava, no fundo, sua existência; dela só se servia no mínimo necessário aos seus vazados, que se articulavam em ritmo calculado. Dentro desse ritmo, algo ficava indeciso, inacabado, com indefinido poder de atração. Dois grandes poetas brasileiros foram fascinados por essa indecisão poética traçada no espaço - Murilo Mendes e João Cabral de Melo Neto, este falava com nostalgia das "colunas aéreas de antanho"; aquele, a propósito da obra do escultor, "de um tempo que acelera o conflito entre duas culturas".

Na ambiência européia existencial e mais pessimista, terminou Weissmann vencido diante da matéria. Deixou de construir no espaço, para operar com ela. Para submeter-se à matéria, porém, não. Mas para travar com ela um duelo que continua. Se os desenhos lhe são um diálogo entre a linha e a luz, as placas em relevo são um diálogo entre o traço e o golpe - a luz. Armou-se ele com efeito, para essa luta, de martelo, luvas de boxe, macete, e foi aos pedaços de zinco para arrancar dele um colóquio. Martelou-os até que se abrissem, desabrochassem como um ser sensível. Com uma certa luz bruxuleando entre nuvens, é um céu paisagístico que evocaria um espaço atmosférico dos últimos venezianos do século XVIII; um Tiépolo, digamos. É curiosa aproximação que não sei explicar. Sob os seus golpes, o zinco vira céu, e outra vez se verifica que os vincos feitos a marteladas na matéria deixam passar a luz, e em sua perseguição uma arquitetura de planos e de linhas que se sucedem, se armam, com o capricho de nuvens que passam. Franz Weissmann fez uma descoberta, quer dizer, não a procurou deliberadamente. Pois o que procurava era uma persistente operação de mágico no seu longo, solitário, diário, artesanal tratamento com a matéria.

Ao passar para o alumínio, os petrechos de ataque do artista, o macete, as mãos poderosamente protegidas amassam mais e incisam menos. As lâminas de alumínio trazem, intocável, uma claridade virginal, translúcida. Apodera-se do escultor uma vontade de conspurcar aquela claridade pura. É um estupro o que faz. Com as mãos duras de boxeador a amarrota como a uma folha de papel. Avança no ataque, a macete, e a pregueia toda; o metal se encolhe, se dobra, as pregas lhe dão cara de velha, mas ao cabo transmuda-se em desperdícios de prata lavrada, de lampejos reluzentes. Fez-se realmente do alumínio outra coisa. Tem sulcos, chispas, pregas, enrugamentos, cortes, camadas - mas sobe de categoria tornando-se quase metal nobre, precioso.
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É um Weissmann com insígnia diferente, com uma obra diferente, mas é o mesmo artista, incerto e profundo, violento e lírico, que prossegue como para vingar-se de sua condição humana, terrestre - enquanto espera a transubstanciação. E esta é seu pão cotidiano.
 

©Mario Pedrosa - VIII Bienal de São Paulo, São Paulo, mam, 1965 (catálogo geral)