Entrevista à Frederico Morais
O Diário - 1958 -
Belo Horizonte
FRANZ WEISSMANN é carioca por necessidade e mineiro de coração.
No Rio criou um nome e reconheceram-no como o melhor escultor
nacional. Aqui, entretanto, tem parte de sua vida — muitos anos de
ostracismo ensinando ao lado de Guignard na EBABH — e vem sempre
procurar o sossêgo, o silêncio. Sempre que pode foge da agitação da
metrópole para a pacata Belo Horizonte. Lá, como aqui, está sempre
longe das rodinhas e do «ciety», fugindo dos que pretendem
entrevistá-lo. Conseguir uma entrevista de Weissmann é uma vitória e
uma raridade. Extremamente rigoroso no emprêgo da palavra, na
procura do têrmo exato, êle exige muito do repórter. Felizardo,
consegui nesta sua estada em BH, uma almejada entrevista. No momento
Weissmann — que é prêmio de melhor escultor nacional na penúltima
bienal — expõe três belíssimos trabalhos no Salão Nacional que a
melhor crítica nacional saudou como o ponto alto do salão e exemplos
da plena maturidade artística do grande escultor. Quando esta
entrevista sair é bem provável que Franz Weissmann tenha recebido o
prêmio de viagem ao estrangeiro, o que não será surprêsa alguma.
R. Suas esculturas são feitas para serem expostas em ambientes
fechados?
FW. Não. Minhas esculturas necessitam da luz solar, de grandes áreas.
A luz solar me é necessária porque incidindo sobre minhas
construções, cria novas sensações de movimento, espaço e variações
tonais na côr natural dos materiais. Digo grandes áreas porque
gostaria do construir minhas esculturas de maneira que permitisse ao
espectador entrar dentro delas. Gostaria de ver alguém passeando
dentro de minhas construções, vê-la de baixo e lado-a-lado.
R. Neste caso o pedestal é desnecessário?
FW. Eu queria eliminar o pedestal. Queria que minhas esculturas
nascessem do chão. Acho que a escultura deve brotar do fundo da
terra e crescer pelo espaço afora, como uma árvore.
R. O material escolhido influi no resultado obtido?
FW. O espírito do trabalho impõe o próprio material. Regra geral já
concebo a construção visualizando o material. Os trabalhos de Naum
Gabo, por exemplo, só podem ser realizados em plástico, dado o
sentido da sua obra. O mesmo acontece com Pevsner, que emprega fios
metálicos para melhor captar a luz.
R. Seus trabalhos expostos no Salão Nacional foram concebidos
naqueles materiais?
FW. "Ponte" e "Torre"; sim. "Três Pontos" não. Foi imaginado para
ser realizado em aço inoxidável, o que não foi possível. Fi-lo
também em alumínio, que igualmente não me satisfez. Contudo, acho-o
melhor como está, em ferro.
R. Tem-se a impressão que algumas de suas esculturas são desenhos
projetados no espaço. É certa esta impressão?
FW. Nos presentes trabalhos esta impressão é errada. Inicialmente,
havia realmente esta intenção. Esta maneira de agir não me satisfaz
mais. Procuro em todos meus trabalhos recentes jogar com o próprio
espaço.
R. Quer dizer que o desenho não é mais parte essencial de seu
trabalho?
FW. Não desenho mais. Agora é impossível partir do desenho. Já
inicio meu trabalho de pesquisa nos próprios materiais. Cartolina,
arame, chapas permitem-me os primeiros contactos com minhas
construções e os meios de visualização.
R. Como surgem suas esculturas. Por intuição, acaso, inspirações?
FW. Gostaria, antes de saber o que entende você por estas palavras.
Newton não descobriu a lei da gravidade por acaso (o caso da maçã).
Ele estava à espera daquele acontecimento. Sua experiência diária,
o estudo e um espírito lúcido e aberto, sempre à espera do
acontecimento, permitiu-lhe ver tôda a significação do instante (a
caída da maçã). Aquele momento é a soma de todos os outros momentos.
Com relação a minha obra o que acontece é o mesmo. Tenho
frequentemente uma idéia vaga. A dificuldade maior está em pegar
idéia e visualizá-la ou concretizá-la.
R. Você quer dizer alguma coisa com suas esculturas?
FW. Acredito que tôda obra de arte traz um conteúdo filosófico.
Inconscientemente — no conjunto — a obra realizada demonstra uma
posição crítica do artista diante do mundo e das coisas. Uma
concepção da vida. Isto é o sentido geral da obra de arte. Mas se
você me pedir a significação individual de cada peça, isto não é
possível fazê-lo.
R. Julga-se um artista concreto?
FW. Não gosto de prender-me a conceitos pré-estabelecidos. Se o que
se entende por concretismo é a concretização de uma idéia, então sou
um artista concreto. Mas o que é preciso dizer é que nem sempre o
trabalho depende da vontade do artista. O trabalho vai se impondo
naturalmente. As soluções impõem-se contra a própria vontade do
criador e quantas vêzes o trabalho concluído não torna-se um inimigo
da gente.
R. Como chegou ao ponto em que está, se caminhou sozinho e não
encontrou nenhuma experiência similar no Brasil?
FW. Nunca fui à Europa. Visitei as bienais de São Paulo, o que
equivale a estar na Europa e saber o que está se fazendo no mundo em
matéria de arte. Para mim as bienais foram de máxima importância.
Quanto ao resto veio naturalmente, por necessidade. Não sou teórico,
nem intelectual. Antes das bienais já trazia em minhas esculturas
figurativas a seiva, o germe de minha arte atual. As figuras eram
apenas um pretexto e para mim não tem mais sentido. Acredito que o
artista use a figura como pretexto, nunca como finalidade.
R. A pintura já influenciou sua obra escultórica?
FW. Fui pintor antes de ser escultor. Lutei durante muito tempo para
me livrar desta mania de pintar. Hoje superei inteiramente este
problema e sua interferência em minhas esculturas.
R. Admite a côr em escultura?
FW. Não podemos tirar a côr natural do material. A côr pintada vai
contra o próprio espírito da obra; funciona como um elemento
estranho. Os materiais têm seus valôres e se imagino uma construção
baseada neste ou naquele material é porque usando-o conto com tôdas
as suas possibilidades inerentes. As relações de espaço e tempo,
movimento, a quantidade de luz que incide sobre ela, a harmonia do
conjunto, tudo depende da côr natural da matéria. Se a cobrir com
outras côres, tudo se modificará e a obra passa a ser outra, valendo
mais como pintura ou como parte pictórica da escultura.
Uma de minhas esculturas que mais gosto são dois cubos pintados
respectivamente de branco e preto. Aqui, entretanto, foi uma
situação psicológica que me exigiu o emprego da côr pintada. Tentei
realizá-la de outra maneira, mas não resolveu. Não se pode encarar a
coisa como regra geral, em determinados casos individuais ela pode
funcionar como elemento de valorização.
R. Situe Brancusi, Pevsner e Calder dentro da escultura
contemporânea.
FW. Neste meio gostaria de colocar ainda Arp. Brancusi procurou a
valorização do material em si, sua espiritualização. Seus trabalhos
são as síntesis máximas concretas. Acho
entretanto, que os nomes dados por ele a seus trabalhos nada têm a
ver com eles mesmos, e aliás desorientam o público. Torno a dizer, a
figura é um pretexto, e, o ponto de partida para o artista estará
mais presente no resultado final, quanto menos está o artista em sua
obra. A contribuição de Calder para a escultura contemporânea é
muito grande. Ele destruiu um tabú que durou vários séculos: o
conceito de que a escultura devia ser estática, pesada, fixar-se num
pedestal.
Sempre imaginei fazer uma escultura que se movimentasse, que
surgisse do ar, que fôsse leve e dinâmica. Calder deve ter-se
baseado na natureza, suas esculturas lembram fôlhas. Elas demonstram
uma grande alegria de viver. São saudáveis e alegres. Pevsner é meu
escultor predileto. Sua grande contribuição advém do caráter
universalista de sua arte . Suas esculturas são sínteses —
equilíbrio e harmonia — de extremos opostos. Suas esculturas são a
integração perfeita de dois pólos: o cósmico e o primitivo.
R. Diga algo sobre o Salão Nacional.
FW. De um modo geral o salão está bastante fraco. Faltam às obras
expostas mais profundidade, valor intrínseco e conteúdo espiritual.
Mas existem também alguns bons artistas. Em primeiro lugar, Djanira.
Depois Aluísio Carvão, Maria Elisa Martins, Lygia Pape, Ana Letycia
e Benjamim Silva. Estes representam â parte boa do salão.
Entrevista a ©Frederico Morais
O Diário - 26/07/1958
Belo Horizonte