Ferreira Gullar
Do que se chama escultura

O problema da escultura na arte neoconcreta colocou-se de modo semelhante ao da pintura, muito embora guardando suas características próprias. Também neste campo, a forma significante substituiu a forma óptica e, conseqüentemente, passou-se do ritmo seriado a uma concepção mais complexa da estrutura. Os dois escultores que participam do movimento neoconcreto - Franz Weissmann e Amílcar de Castro - vieram ambos da experiência concretista mas, tanto um como outro, sempre mantiveram certa distância com respeito aos princípios ortodoxos da arte concreta. Ambos sofreram uma influência inicial de Max Bill e dela partiram para a descoberta de sua expressão pessoal dentro do vocabulário construtivo.

A arte concreta encontrou, no campo da escultura - ou da construção no espaço real - terreno mais propício para seu desenvolvimento do que na pintura - espaço bidimensional - onde se limitou, na maioria dos casos, à ilustração de problemas perceptivos. O interesse dos artistas concretos pela exploração de novas relações espaço-temporais - o problema das superfícies sem fim, das múltiplas direções do espaço etc. - não poderia, na pintura, ir além da representação de tais problemas, enquanto que na escultura, lidando com elementos reais, era mais livre a invenção e maiores as possibilidades intuitivas.

A superioridade das esculturas de Bill sobre suas pinturas não indica simplesmente que Bill é melhor escultor que pintor mas, sobretudo, que as idéias concretistas nasceram de preocupações ligadas à construção no espaço real. Weissmann era ainda um escultor figurativo quando, em fins de 1951, conheceu a Unidade tripartida de Bill, exposta na I Bienal de São Paulo. Naquela época, esculpia figuras onde os elementos naturalistas se reduziam a uma combinação de retas e curvas; encontrava-se portanto, a um passo da abstração mas vacilava em dar esse passo. Bill revelou-lhe um novo caminho, que Weissmann procurou sem se desligar inteiramente das experiências anteriores. Passou a trabalhar com metal - chapas e cilindros - ora pintando-o, ora conservando-o à mostra, já sem qualquer alusão aos objetos naturais.

Por volta de 1953, Weissmann começa a se libertar da influência vocabular e temática de Bill. Abandona o problema das superfícies contínuas e não-orientáveis, para se interessar sobretudo pelo vazio, isto é, pelo espaço. São dessa época os primeiros trabalhos que realiza com delgadas barras de alumínio que se desenvolvem no espaço explorando-lhe a ambigüidade e acentuando-lhe a indeterminação. A forma aí se reduz a um desenho no interior do espaço, como mero sinal, indicação ou sugestão que serve apenas para revelar o espaço em sua plenitude, em sua fecunda delimitação. Durante os anos subseqüentes, Weissmann aprofunda essa expressão, encontrando ritmos cada vez mais econômicos e mais diretos para mostrar o vazio. Chega enfim a estruturas de grande leveza, ricas de perspectivas que se impunham ao espectador como um milagre de captação dessa coisa impalpável e fugidia que é o espaço. Mas essas obras, em que pese ao toque pessoal inventivo que Weissmann conseguiu incutir-lhes, ainda eram um prolongamento do vocabulário concretista.
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Foi por volta de 1958 que sua escultura ganhou um sentido mais orgânico, de ritmos descontínuos e repousados, e o espaço, por eles captados, assumiu uma expressão mais interior, de repercussões mais amplas. A qualidade e o caráter pessoal da obra de Weissmann advêm sobretudo de ser ele um artista predominantemente intuitivo, que busca na experiência direta da forma e do espaço a estrutura de suas obras. Suas idéias nascem diretamente do trabalho, como problemas imediatos aos quais dá ele solução: a teoria não encontra campo para se formular. Não obstante, afirmou Weissmann, certa vez, que "a escultura deve nascer do chão como uma árvore"; afirmação que, além de acentuar-lhe a natureza orgânica do pensamento escultórico, torna evidente sua preocupação em eliminar da escultura o propósito representativo ou ilustrativo. Reside nesse caráter orgânico de sua obra a afinidade que o liga ao movimento neoconcreto.
 

 ©Ferreira Gullar - Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 05 / 11 / 1960.