O novo Weissmann visto por Murilo Mendes
Na carreira de Weissmann não se observa uma linha continuada,
'lógica', de evolução. Trata-se de um artista maduro solicitado por
mais de uma direção, sensível às vertentes, atraído tanto pelo
centro como pela periferia, o qual sabendo já superado um clima de
rígido geometrismo, não adere totalmente a um informalismo rebelde a
se integrar no contexto da civilização técnico-industrial.
Representaria Weissmann uma tendência de compromisso?
Prefiro considerar a situação deste importante artista à luz de uma
proposta de Enzo Paci no seu estudo 'Fenomenologia e informale': Ció
che noi vediamo non é già costituito ma si trova in un continuo
processo internazionale di costituzione, processo che si
autocorrege, si forma e si reforma, in un'aperta sintesi
intenzionale.
Esta movimentação dialética substitui com vantagem o antigo conceito
de 'inquietação e angústia' aplicado aos artistas, ilustrando a meu
ver as obras aqui expostas, obras que não representam a totalidade
de Weissmann, mesmo porque foram criadas em circunstâncias materiais
muito limitadas, mas que refletem suas alternativas de construção e
destruição da forma. Isto se revela tanto nas pequenas esculturas
como nas chapas de zinco e nos desenhos.
Estamos diante de pesquisas que se iniciam em
algumas chapas e esculturas, desdobrando-se e completando-se
noutras, segundo um critério normal de interação. Trata-se ou não de
manter ou de agredir a forma, o artista é sempre guiado pela ragion
morale que lhe impõe a consciência dos limites físicos. Poder-se-ia
também, consultando certas obras de Weissmann - inclusive muitas que
não se acham expostas aqui - aludir, ora à 'sensação côncava' ora à
'sensação convexa' anotadas por Musil enquanto outras evocariam les
subdivisions prismatiques de l'idée, prescritas por Mallarmé. Um
ponto entretanto me parece exato: tais trabalhos excluem a
sensualidade e mantêm um timbre austero.
Quanto aos desenhos, alguns se aparentariam, mesmo de longe com a
l'art brut, podendo-se acenar aqui por tangência a Dubuffet; mas já
noutros o artista organiza o seu ímpeto e através das linhas que se
agridem, se cruzam, se interpretam, propõe-nos uma escritura
personalíssima, vizinha à do calígrafo oriental, escandindo os
sinais com muitos requintes e minúcias, ou então uma espécie de
partitura musical em clave fantasiosa. Outras vezes o artista não
teme enfrentar o perigo 'cósmico', por exemplo no estupendo desenho
em forma de esfera, no qual vejo uma espécie de ideograma
oferecendo-nos a margem de mil interpretações. Entre o instinto de
historicidade e a atração da intemporalidade oscila a linha de
Weissmann.
0 poeta inglês Donald Davie formula esta pergunta: Can spells or
riddles be articulated?
Creio não ser esta uma pergunta vã. Aplicando o verso à criação
artística, seria de fato interessante indagar se os sortilégios ou
os enigmas poderão ser articulados. Estamos no centro de um problema
sempre atual, que opõe espontaneidade e construção. No caso de
Weissmann, como de outros artistas, se poderia aludir a um movimento
pendular, que se observa há séculos, entre geometrismo e
desarrumação, entre objetivismo e subjetivismo. De qualquer forma,
registrando a desorganização ou tendendo à medida, a pesquisa do
exigente Weissmann reflete a própria descontinuidade do homem, este
ser de contraste, que transmite através do tempo e do espaço
antagônicas versões de si mesmo e da sua condição terrestre, frágil
como a argila e sólida como o ferro. 0 homem que é afinal a work in
progress, ou, segundo a linguagem mais recente,'opera aperta'.
Talvez por isto as invenções de Weissmann possam ser consideradas
justamente uma 'opera aperta' já que deslancham a colaboração do
espectador, demolindo através de imprevistas combinações de formal e
informal a barreira que separa a imagem da percepção."
©Murilo Mendes - Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 mar. 1963, Segundo Caderno, coluna de Jayme Maurício.