Ferreira Gullar
Uma poética do espaço

Uma coisa — a pedra por exemplo — é uma indevassável concentração de matéria. A vista não a penetra, a luz não a penetra. 0 escultor encontra nela o seu contrário, a sua negação. Ela é massa, peso, matéria inerte. Incutir-lhe vida foi o desafio que ele se propôs: transformou a pedra em atletas, deusas, personagens de um mundo alegórico que a História se encarregou de dissipar... O homem, foi de novo devolvido ao real, à matéria real — massa, peso, opacidade. A sua luta agora se dá nos limites da percepção, sem mitologias. É o começo da escultura moderna: Brancusi, Boccioni, Pevsner, Gabo, Bill...

Franz Weissmann, austríaco de nascimento e brasileiro por opção, veio juntar-se a essa família de radicais transformadores da matéria. Eles são os recuperadores do espaço — espaço interior à coisa, à massa compacta. Começam por perfurá-la e por descobrir a matéria como uma modalidade do espaço e vice-versa. E desse modo, a oposição massa-espaço torna-se uma relação dialética que abre ao escultor um campo de ilimitadas possibilidades.

Nessa linha de indagação, Weissmann encontrou o seu caminho próprio que, ao longo de trinta anos, veio se aprofundando e enriquecendo. Da rejeição radical da massa e de sua redução a meras notações no espaço, chegou à criação de uma verdadeira poética do espaço, voltada para o presente e para o futuro.

Onde havia a massa, há agora o vazio, o espaço indeterminado, é dentro dele que nasce — como uma planta — a escultura de Franz Weissmann. E que, ao nascer, cria um novo espaço — um espaço humano no limite do espaço natural. Uma delicada transfiguração, que parece buscar a justa medida do homem e da natureza, do imaginário e do real, sem violência. Uma poética do espaço que é, ao mesmo tempo, uma ética da expressão: o mínimo de recursos para que, sem ênfase, a poesia, beleza, enfim o espírito do homem se construa fora do homem, no ar, aqui, agora, no espaço comum da cidade. Um audacioso exercício da liberdade em que o artista se põe incessantemente à prova: o espaço vazio oferece-lhe todas as direções, aceita toda e qualquer forma. Sem a referência figurativa, sem delimitações a priori, ele está entregue unicamente: a sua capacidade de intuir as significações potenciais da forma abstrata no espaço abstrato, vale dizer, torná-los concretos, de inseri-los no espaço social como expressão estética.

A escultura de Franz Weissmann é, assim uma permanente redescoberta do espaço e da forma que, a cada nova obra, parecem despontar pela primeira vez diante de nossos olhos. E eis aí o milagre da verdadeira arte.
 

©Ferreira Gullar - 1987